sábado, 6 de abril de 2013

Contos de Luís da Câmara Cascudo


A gulosa disfarçada



Um homem casara com excelente mulher, dona de casa arranjadeira e honrada, mas muito gulosa. Para disfarçar seu apetite fingia-se sem vontade de alimentar-se sempre que o marido a convidava nas refeições. Apesar desse regime, engordava cada vez mais e o esposo admirava alguém poder viver com tão pouca comida. Uma manhã resolveu certificar-se se a mulher comia em sua ausência. Disse que ia para o trabalho e escondeu-se num lugar onde podia acompanhar os passos da esposa.

No almoço, viu-a fazer umas tapiocas de goma, bem grossas, molhadas no leite de coco, e comê-las todas, deliciada. Na merenda, mastigou um sem número de alfenins finos, branquinhos e gostosos. Na hora do jantar matou um capão, ensopou-o em molho espesso, saboreando-o. À ceia, devorou um prato de macaxeiras, enxutinhas, acompanhando-as com manteiga.

Ao anoitecer, o marido apareceu, fingindo-se fatigado. Chovera o dia inteiro e o homem estava como se estivesse passado, como realmente passara, o dia à sombra. A mulher perguntou:

— Homem, como é que trabalhando na chuva você não se molhou?

O marido respondeu:

— Se a chuva fosse grossa como as tapiocas que você almoçou, eu teria vindo ensopado como o capão que você jantou. Mas a chuva era fina como os alfenins que você merendou e eu fiquei enxuto como as macaxeiras que você ceou.

A mulher compreendeu que fora descoberta em seu disfarce e não mais escondeu o seu apetite ao marido.

  (Em Cascudo, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1986. Reconquista do Brasil, 2ª série, 96, p.217)

                                         As irmãs Tatas

Eram quatro irmãs tatibitates e a mãe delas tinha desgosto com esse defeito. Como as queria casar, aconselhava que não falassem diante de gente estranha, dando uma impressão má.
         - Quem falar, não casará, ameaçava a velha.
         Uma vez, saíra a mãe, e as quatro moças estavam em casa quando apareceu um rapaz bem vestido, pedindo um copo d’água para beber.
        A mais velha correu para buscar a bilha mas o fez tão estouvadamente que lhe escapou das mãos e espatifou-se no chão.
       A moça, não se contendo exclamou:
    - Lá si quêbou a tatinha de mamãe!(Lá se quebrou a quartinha da mamãe!).
      A segunda:
    - Que si quebou, que si quebasse!(Que se quebrou, que se quebrasse!).
    A terceira, lembradas das recomendações maternas:
   - Mamãe nun dissi que a genti nun fáiásse (Mamãe não disse que a gente não falasse?).
    A última, tranquila pela sua conduta:
   - Eu, cumu nun faiêi, cazaêi! (Eu, como não falei, casarei!).

                   (Dáhlia Freire Cascudo - Natal - Rio Grande do Norte)


Bilha – Vaso bojudo, feito geralmente de cerâmica, de gargalo estreito, com ou sem alça pra conter água; Moringa, quartinha.
Quartinha – O mesmo que bilha.
Tatibitates – Pessoas que falam trocando certas consoantes; Gago, tartamudo.


Fonte: (texto) CASCUDO Luis da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Rio de janeiro : Editoro, 2000. p.249.



 


2 comentários: